Hora de Produzir: A Hora do Conto: pelas ondas do rádio

Memorial de Leitor

Falar de nós mesmos é sempre embaraçante. O que para mim pode ser uma lembrança positiva, para quem lê ou escuta pode soar como algo desinteressante e pequeno, é um risco que se corre ao se expor num memorial...
Minha relação com a leitura começa ainda bem antes de eu entrar para a escola: meu pai, um talentoso contador de estórias, nos proporcionava momentos únicos, todas as noites. Eu e meu irmão caçula sob o calorzinho aconchegante de um cobertor, ouvíamos atentos a papai, incumbido de nos cuidar, enquanto nossa mãe alfabetizava adultos numa turma que funcionava no turno da noite, numa escola do estado.
O mais interessante é que seu repertório não era muito grande, mas as mesmas estórias eram contadas com nuances diferentes a cada noite, por meio de adaptações que ele mesmo criava como estratégia para prender nossa atenção. Eram causos de Pedro Malazarte, estórias de príncipes e princesas, reis e rainhas, macacos e raposas, enfim, seres que povoavam nossa imaginação com aventuras e saídas inteligentes para os mais diversos problemas.
Até que chegou o dia em que eu iria para a escola, fazer parte daquele universo mágico que eu já conhecia e admirava, pois sempre que possível, acompanhava minha mãe no trabalho e até nos estudos – íamos juntas para a faculdade onde ela estudava nos fins de semana. Bem, chegou a minha vez... minha professora era a tia Leda, uma alfabetizadora que eu já admirava na inocência de criança e passei a admirar ainda mais quando de posse de textos e teorias sobre alfabetização, sua imagem vinha à minha lembrança como modelo de professora ideal.
Fui alfabetizada pelo método global, cuja cartilha tinha como personagens Suzana e Marcelo, crianças que como eu tinham 7 anos e estavam descobrindo o mundo através da leitura. Lembro-me do primeiro texto: “_ Olá, amiguinhos! Eu me chamo Suzana. Esta boneca é a Cidinha. Cidinha fala mamã... papá...” Frases que depois eram reescritas, trocando-se o nome da boneca, depois o da menina, e, então eram reduzidas a palavras, a sílabas, que se transformavam em outras palavras, outras frases e outras estórias. No início de todas as aulas fazíamos a leitura dos cartazes que compunham o cenário de nossos universos infantis, quase automaticamente... foram verdes e felizes anos... O prazer da leitura por vezes fazia com que eu me isolasse do resto do mundo... uma fuga que preocupava quem não entendia que quando se tem um livro nas mãos não se está só.
Na pré-adolescência, cheia de complexos e medos, mergulhava nos livros que minha mãe trazia emprestados da biblioteca da Superintendência de Ensino, onde então ela trabalhava. Naquela época os livros eram caros, quase sempre ela recorria a sebos ou a empréstimos em bibliotecas públicas. O livro que mais me marcou foi Polliana com seu famoso jogo do contente, talvez por encontrar, naquela estória, a fuga que precisava para minhas frustrações de pré-adolescente. Recentemente minha filha de nove anos leu a adaptação desse livro, foi gostoso reviver a estória através dos olhos empolgados de minha pequena Ana Carolina. A série vaga-lume também marcou presença com seus variados títulos, lia bastante. Hoje quem lê e curte muito essa coleção é meu filhote de treze anos, João Paulo. Ao final da oitava série li Feliz ano velho, Cristiane F e outros que eram lidos pela maioria das garotas da minha idade. Na faculdade li muitos livros, os clássicos de todo curso de letras, foi bastante interessante, tive ótimos professores, alguns mais apaixonados e mais apaixonantes que outros, mas todos deixaram lembranças e dicas importantes de leitura.
Hoje, professora de língua portuguesa, apaixonada pela profissão, estudiosa da língua, sinto-me feliz ao recordar os tempos em que à sombra de uma frondosa árvore, na E.E. Monsenhor Gonzalez, onde aprendi a ler, sentava-me ao chão, dispunha a merenda cuidadosamente sobre a toalhinha cor-de-rosa, bordada com as minhas iniciais e era criança, saboreando o doce sabor da infância, sonhando com um futuro ainda distante, em que seria tão boa professora quanto a tia Leda.
Então, pela profissão que abracei – e pelo prazer da descoberta também – continuo a ler, porém nem sempre são livros de literatura. Hoje tenho direcionado minha formação para livros que trazem contribuição por seus estudos científicos no campo da aquisição da leitura e da escrita, livros de sociolinguistas e de linguistas que realizaram importantes pesquisas no campo da análise do discurso, enfim, minha leitura é muito mais teórica, com objetivos bastante específicos.
Mas não pense você que não me sobra um tempinho para leitura de fruição... A paixão pelas estórias de meu pai passou aos meus filhos, desde cedo... hoje posso me orgulhar de vê-los completamente absorvidos pelos mesmos encantos de que um dia me fiz cativa... meu marido diz que eles saíram a mim. Esse prazer sinto repassar também aos meus alunos, para quem sempre leio contos e crônicas e desde junho deste ano, - veja só que delícia! - temos um espaço na rádio local para o programa A Hora do Conto, momento em que meus alunos e eu levamos o prazer da literatura pelas ondas do rádio à comunidade de Manhuaçu.
Essa é minha história, meu livro aberto...

Rosane Miranda Rodrigues dos Reis
07/09/09
18h e 35min.

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domingo, 15 de novembro de 2009

A Hora do Conto: pelas ondas do rádio

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